segunda-feira, abril 25, 2011

Pressões Ambientais - 1

De todas as formas de deficiência que observo na maior parte das pessoas cá por essas bandas interioranas, a pior delas é a de um profundo e reverente sentimento de admiração perante a coisas.

Esse tipo de hábito, tão basilar para um espírito chamado a uma vida intelectual, é francamente desprezado, ridicularizado, desdenhado, visto como explícita perda de tempo e dinheiro. Desventurado daquele que ousa debruçar-se numa janela, madrugando para contemplando o raiar do sol!

Vai ouvir um "Tá ficando maluco? Pare de perder tempo!" quase que no mesmo momento em que for visto por outrem. Se forem dois ou mais, ainda terá de aturar os olhares de desaprovação.

Os mentalmente brutos e medíocres, sem sombra de dúvida, aplaudem em silêncio qualquer coisa que tire, enfumace, diminua ou oblitere o valor de outra coisa/pessoa, dado que uma marca característica de brutalidade de caráter - bem como da mediocridade mental - é uma excessiva valorização de si mesmo. Esse inconfessável comichão, que só quem invejou um dia sabe o que significa, é um pedido de palmas para tudo que negue qualquer valor ausente de si mesmo.

É um falso orgulho. Conjugado ao sentimento de que não há quem ou o quê lhe seja superior, o bruto se entretém consigo mesmo, deleitando-se numa insuportável ladainha de auto-justificação perante o sentimento - incômodo, mas vivo e real - de que não é capaz de fazer o que aquela mente compenetrada e observadora é capaz: o extraordinário.

Por não se abrir ao extraordinário, nas coisas ordinárias acha-se em casa.

A banalidade torna-se, assim, o pão dos insensíveis - não por causa da incapacidade contemplativa desses infelizes, que creio sinceramente tratar-se apenas de um péssimo hábito, mas antes por causa da defesa psicológica (necessária a eles) perante uma ameaçadora situação mental de vulnerabilidade. Pois a abertura mental que o admirador precisa se colocar - sob a pena de não entender bulhufas daquilo que contempla - é perigosa demais para a auto-imagem de quem está satisfeito consigo mesmo, na orgulhosa complacência do homem que entende não haver nada que mereça sua atenção além dos interesses mais baixos e mesquinhos, presentes em qualquer mente. Inclusive na de um cachorro.

Tão ocupado que está consigo, todo o resto apresenta-se como mera trivialidade dos que "não sabem o que é a vida".

Se "Banalidade" é o nome desse comportamento,
"Rotineira" é o sobrenome que sempre lhe seguirá.
Apelido? Só poderá ser "Mediocridade".

Se não houver quem olhe para o alto e observe atentamente as estrelas, e se fixe com admiração perante uma pequena flor, e note a curiosa forma de um inseto, e se deixe maravilhar pela formosura cúprea do pôr-do-sol, e se inebrie pelos aromas de sua própria refeição cozida com esmero, e pelas texturas que seus dedos tocam deixe-se imaginar mundos inteiros... todos estaremos condenados a enquadrar-mo-nos no âmbito da banalidade. Quadrado, frio, estúpido.

Afora as crianças - vivas e sempre naturalmente interessadas em aprender - e uma ou duas louváveis exceções que por aqui só passam ocasionalmente, não há quem o faça cá por essas bandas.

Nessa atmosfera de imbecilidade contagiosa, tenho razão em olhar com preocupação para meu futuro. Temo também pelo futuro dos jovens que ainda experimentam esse deslumbramento e - ainda - não se deixaram vencer pela impermeabilidade dos cretinos. Não serão eles igualmente esmagados sem dó, como baratas, perante tais pressões dos seus ambientes sociais?

Muito provavelmente, e infelizmente, sim.

Você, quando assume um comportamento desse gênero e se vê objeto da observação doutras pessoas, quase sempre é tido como "esquisito", "aluado", "doido". Alguém assim que está fadado a, qual novo Tales de Mileto, receber os risos cheios de desdém dos transeuntes que, ao notar seu interesse e compenetração nos céus, caiu "num buraco" qualquer. E não deixam de alfinetar: "Como alguém pode ser tão esperto numas coisas, e tão bobo em outras?". Observam nisso um sinal de alguém "que tem um parafuso a menos". Alguém que "não sabe como é a vida".

Interessante inversão.

Quanto mais você se interessa e se compenetra na tecitura dos fenômenos reais, quanto mais você se torna muitíssimo interessado em entender mesmo a realidade, quando você procura compreender o que é cada um daqueles objetos que, diferente de todas as outras coisas ali presentes, tiveram a felicidade de serem notadas por um atento e vívido olhar, mais vozes obtusas te acusam exatamente... do contrário daquilo que você está fazendo!!

O ridículo de uma situação dessas é evidente. Tais acusações se assemelham ao ato de ser considerado, dentro dum leprosário, fisicamente doente em razão de não possuir lepra.

Mas, infelizmente, nem sempre esses conceitos são claros à mente contemplativa; ela muitas vezes não está convicta o suficiente da forma ideal que se deve almejar, nem do caráter que se deve procurar ter. Envergonhada (por vezes por pura ignorância de que pode viver muito bem sem implorar aceitação aos espiritualmente embrutecidos, não entrando no jogo deles) em situações nas quais a formação da personalidade ainda está se moldando, a tendência contemplativa se esfria e endurece em muitas das vítimas dessa caça ao intelecto.

Exatamente em razão das múltiplas figuras que influenciam, desde fora, os arquétipos estruturantes dos valores morais, não raro o homem contemplador se impõe uma insensibilização, embrutecendo-se. Prefere ser burro junto de alguns poucos sequazes do que ser sábio porém privado daquelas consolações humanas que a imersão na massa oferece.

Em situações assim, é muito mais difícil elevar-se para além dos limites que o "cabresto mental" - ou seja, a fronteira de abertura espiritual para além dos valores animalescos e instintivos - praticamente obriga a uma jovem criatura do interior dum país como o Brasil.

Se não se agregarem os homens que vêem mais longe, não fornecendo às próximas gerações formação humana sólida, capaz de tonificar a consciência e ordenar adequadamente a personalidade, essa tendência acachapante terá consequências mais desastrosas do que as que já estamos tendo (pois a própria existência de imbecis obtusos que, lamentavelmente, se arrogam como modelos já é sinal da profunda fraqueza moral instalada em nosso povo).

Cegos guiando cegos... ambos não cairão?!

Superar essa pressão ambiental é o que devemos. Primeiro privadamente, em cada um, internamente. Depois, aos poucos, publicamente, vamos fornecendo um pouco de luz para quem ainda procura esquivar-se dessa lama mental, na esperança de re-adequar as coisas à realidade.

...e que Deus nos ajude!

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