quinta-feira, junho 30, 2011

Pressões Ambientais - 3

  Algumas coisas praticamente nunca mudam. 

  Uma delas é a completa falta de vergonha na cara dos caluniadores, dos artífices de injúrias e dos detratores*. Adianta perdermos tempo procurando instalar-lhes algum senso moral? Não. Será quase sempre perda de tempo.

  Enfrentá-los é sem dúvida um dos deveres daqueles que procuram sanear um ambiente, visando torná-lo agradável, humanamente estável e provê-lo com aquele mínimo de paz social necessária à boa convivência junto dos que nos são diferentes. Mas, desde que o homem é homem, enfrentamos grandes dificuldades (quiçá quase impossibilidade!) em passar ao menos um só dia sem ouvir - inclusive no ambiente de estudo, trabalho, família, amigos - comentários purulentos, ditos ácidos e venenosos contra as pessoas que nos circundam. Há caluniadores de todos os tipos, de todas as classes e de todos os gêneros.

  E caluniam por motivos tantos...!

  Existem vários grupos que são caluniados porque falam ("fofoqueiros", "papagaios"), grupos caluniados porque calam ("múmias", "anti-sociais"). Há quem seja caluniado pelo que faz, outros pelo que deixam de fazer. Há quem seja caluniado porque age como pessoa responsável, outro por agir como uma pueril inconseqüência. Há quem seja caluniado por ser gordo, mas outros o são por serem magricelas. A lista de possibilidades de calúnia tende ao incalculável, dado que nenhum ser humano que conhecemos em nossa experiência cotidiana é isento de algum traço defeituoso, de algum resquício de personalidade que pode ser depreciado, de alguma mácula que lhe torne pouco agradável aos olhos das pessoas, de alguma característica psicológica que consideramos digna de repreensão.

  Por isso, assunto não falta para quem se empenha em destroçar a credibilidade de outrem. Os destiladores de injúrias alimentam-se dessas observações negativas com o mesmo afinco e insistência que aquelas coloridas moscas vorazmente saem em busca de fezes e alimentos em putrefação - sentem verdadeiro prazer ao apontar, nos outros, o que é estranho, bizarro, desengonçado, ridículo, patético, criminoso, condenável...

  Essa observação anterior de fato evidencia: o pasto do qual os caluniadores se alimentam não é a própria realidade enquanto tal, mas sempre uma versão diluída ou exagerada desta mesma realidade. Mesmo se um fato é, primeiramente, tomado como base para a calúnia ou para a ofensa, não há suficiente fundamento para alguém dizer-se caluniado quando outra pessoa apenas descreve uma realidade concreta. Então, quando um homem age como um ladrão, não há nada de caluniador em chamá-lo exatamente daquele nome que está em conformidade com seu comportamento - ou seja, ladrão. Exatamente tendo isso como pano de fundo para nossas reflexões, sabemos que o caluniador não permanecerá muito tempo na observação da realidade, pois se não houver muito para se condenar numa primeira observação momentânea, o caluniador exagerará a proporção e a intensidade das poucas imperfeições encontradas, provocando distorções maliciosas ulteriores, amargas como fel, cuja única finalidade é prejudicar a honra e a reputação de outra pessoa / coisa.

  Estes infelizes não são pessoas que gastam sua capacidade de observação e análise para perscrutar os mistérios da realidade de uma maneira positiva e aberta mas, antes, debruçam-se sobre as pessoas e as coisas procurando a face mais áspera de todas as entidades, deleitando-se quando conseguem arrancar (de alguns trouxas imorais) alguns risos de despudorado escárnio perante qualquer infeliz que caia nas presas desses cães.

  Sendo impossível ser um o caluniador sem ao mesmo tempo ser, em algum grau, um mentiroso (dado que a calúnia é sempre um exagero ou uma abstenção na manifestação da realidade), sabemos que não há chance alguma de alguém ser um caluniador honesto.

  Mas se faltam com a verdade desde o princípio, não é em qualquer verdade que esses se baseiam para justificar seu comportamento - é na vontade. O que torna o caluniador um caluniador é exatamente a sua falta de capacidade de lidar com uma realidade que lhe excede. Calunia sim, mas não porque não compreende - antes, porque compreende quase instintivamente que não é capaz de contrariar aquela pessoa / grupo / coisa com a força de uma acusação fundamentada em algo real. Partindo daí, constrói artificialmente uma imagem monstruosa da coisa superior, visando rebaixá-la até "aqui", ou seja, aonde está o próprio caluniador. Como uma corda amarrada na cauda impede o vôo de um pássaro, assim pode ser a força da calúnia contra o desenvolvimento das sociedades (e personalidades) humanas.

  Perante as mentiras e invenções malévolas dos caluniadores, muitos perdem semanas ou até meses em um espírito de desânimo. Alguns entram em estados emocionais verdadeiramente lamentáveis, como se efetivamente aquelas calúnias fossem as mais fiéis expressões da realidade, e remóem as calúnias tanto quanto a grama é ruminada pelas vacas...

  Qual é o remédio possível quando enfrentamos caluniadores?

  Para livrar-se dessa pressão ambiental que a nossa infeliz condição humana tornou tão corriqueira, primeiramente devemos ter um critério muito claro do que é ou não real - e do quanto de seriedade com que cada uma das coisas reais se impõe a nós. Nossa capacidade de percepção da realidade deve ser muito aguçada, antes de tudo, pelo contínuo exercício e aperfeiçoamento da fidelidade interior, pela honestidade do próprio testemunho de nossa realidade para nós mesmos - pois sem este critério firme, nem seremos capazes de perceber quando estão nos caluniando ou não. Em segundo lugar, ao lembrar que o caluniador calunia para enfraquecer a moral, a credibilidade e a honra alheia; então devemos exaltar as características reais dignas, para mostrar suas positividades reais (tomando cuidado aqui para não desembocar em arrogância) e então desmascarar a sanha do caluniador, que visa distorcer a coisa caluniada para poder rebaixá-la, a fim de aplacar o próprio estado psíquico** do mentiroso. Em terceiro lugar, que o caluniado sinta-se de certo modo lisonjeado ao ser notado por um caluniador, dado que a ocorrência da calúnia demonstra que o caluniador se importa com o caluniado e faz questão de empreender forças para rebaixar aquela coisa.

  Não temer os caluniadores, mas enfrentá-los com coragem e ousadia - afinal, ninguém chuta cachorro morto. Ninguém se importa com o insignificante. Reagir com justa medida, desmascarar a mentira caluniosa e ver na calúnia um sinal positivo: eis o que podemos fazer.

  ...e que Deus nos ajude!

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* Sei que juridicamente os termos detração, calúnia, difamação e injúria são completamente distintos, porque referentes a vários crimes próximos, porém não idênticos. Usei-os aqui como sinônimos por motivos práticos apenas (dado que na linguagem comum esses termos não são usados com a sua conotação jurídica).

** Esse estado psíquico do caluniador quer gritar algo, mas sente vergonha de fazê-lo, dado que seria mais ou menos assim: "Vê? Todos somos miseráveis, não és superior - és igual a nós ou até mesmo inferior! Cala-te e some da minha frente, pois tua visão turva meu ego!"